Grande Othelo, Luiz Carlos Prestes Filho e a poesia da amizade

Luiz Carlos Prestes Filho junto ao túmulo do Grande Othelo - Uberlândia (MG)
Por Carlos Franco - Exclusivo para o Catetear
Uberlândia (MG)
Em 1993, pouco antes de sua morte, o ator e artista Grande Othelo (1915-1993) preparava-se para embarcar em uma viagem à França, onde seria homenageado no Festival dos Três Continentes, em Nantes. Na bagagem, levava um tesouro pessoal: um livro de poemas intitulado "Bom dia, manhã", organizado por seu amigo Luiz Carlos Prestes Filho e prefaciado por dois grandes nomes da literatura brasileira, Jorge Amado e Antônio Olinto. No entanto, Othelo não chegou a ver seu projeto concluído. No dia 26 de novembro daquele ano, desembarcou no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, e sofreu um ataque cardíaco fulminante, falecendo aos 78 anos.
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"O livro, que reunia poemas escritos ao longo da vida por Othelo — muitos deles guardados em folhas soltas pelo apartamento do artista —, tornou-se uma raridade, um registro pouco conhecido da faceta literária de um dos maiores nomes do cinema e do teatro brasileiro. A organização desses versos foi um gesto de amizade de Prestes Filho, que, anos antes, havia sido recebido por Othelo ao retornar do exílio na antiga União Soviética. Othelo apresentou-lhe o Rio de Janeiro, cidade que Prestes Filho mal conhecia após anos longe do Brasil. Ao presentear o artista com um livro das catedrais russas, imponentes e adornadas com ouro e pedrarias, Prestes Filho ganhou em troca outro presente: um passeio pelo que o grande ator chamava de grandes catedrais: os terreiros de umbanda e candomblé do Rio de Janeiro e Niterói. A beleza dos ritos afro-descendentes marcou Prestes Filho, que relembra até hoje com carinho desse encontro com raízes ancestrais de Grande Othelo, presentes no livro que os uniria ainda mais.” |
Luiz Carlos Prestes Filho e Grande Othelo
A relação entre os dois foi marcada pela cumplicidade e pela admiração mútua. Grande Othelo, célebre por seus papéis no cinema (como no clássico "Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade) e por sua personalidade vibrante, também tinha uma veia poética pouco divulgada. Seus poemas traziam reflexões sobre o cotidiano, a negritude, a alegria e a melancolia, muitas vezes escritos de forma espontânea, sem pretensões literárias. Já Luiz Carlos Prestes Filho, filho do lendário líder comunista Luiz Carlos Prestes, cresceu em um ambiente de intensa militância política.
Luiz Carlos Prestes Filho com o historiador André Voigt, apresentaram no quartel sirioco "Moçambique de Belém", as canções da obra LENDAS DA COLUNA PRESTES.. Ramon Capitão do Moçambique de Belém, esteve presente com líderes da entidade.
Seu pai, conhecido como o "Cavaleiro da Esperança", foi uma das figuras mais importantes da esquerda latino-americana no século XX, tendo liderado a Coluna Prestes (1925-1927) e posteriormente se tornado um dos principais nomes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Prestes Filho, assim como o pai, viveu no exílio durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), refugiando-se na União Soviética. Quando retornou ao Brasil, Othelo foi uma das pessoas que o ajudaram a se reconectar com o país. A amizade entre os dois simbolizava um diálogo entre arte e política, entre a resistência cultural e a luta ideológica. Anos depois da morte de Othelo, Prestes Filho visitou seu túmulo em Uberlândia (MG), cidade onde o artista foi sepultado, em uma demonstração de respeito e saudade.
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"Embora o foco deste texto seja a relação entre Othelo e Prestes Filho, é impossível dissociar a trajetória deste último do legado de seu pai, Luiz Carlos Prestes. Nascido em 1898, Prestes tornou-se um ícone da esquerda continental ao comandar a Coluna Prestes, uma marcha revolucionária que percorreu mais de 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, pregando reformas sociais e combatendo o governo oligárquico da Primeira República. Tema que Prestes Filho abordou em auditório da Universidade Federal de Uberlândia, na quarta-feira, dia 5 de agosto de 2025, a convite da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Uberlândia (ADUFU) e da Faculdade de História.” |
Nos anos 1930, lembrou Prestes Filho, seu pai aproximou-se do comunismo e viajou para a União Soviética, onde se tornou membro da Internacional Comunista (Comintern). De volta ao Brasil, participou da Intentona Comunista (1935), uma rebelião contra o governo de Getúlio Vargas, que fracassou e o levou a quase dez anos de prisão. Mesmo após ser solto, continuou sendo uma figura central no PCB e na difusão do socialismo na América Latina, inspirando movimentos em outros países como Chile, Argentina e Cuba. Prestes Filho, assim, cresceu sob a sombra de um sobrenome que representava tanto a resistência quanto a perseguição política. Sua ligação com Othelo talvez tenha sido um refúgio afetivo, uma maneira de encontrar na arte a leveza que a militância muitas vezes não permitia.
Luiz Carlos Prestes Filho visitando o túmulo do Grande Othelo
O livro de poemas de Othelo, organizado por Prestes Filho, é hoje uma peça rara, quase uma relíquia esquecida. Sua existência lembra-nos que artistas como Othelo eram multifacetados: atores, poetas, cronistas da vida. Da mesma forma, a trajetória de Prestes Filho nos faz refletir sobre como as histórias pessoais se entrelaçam com os grandes movimentos políticos e culturais do país.
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"A visita de Prestes Filho ao túmulo de Othelo em Uberlândia fecha um ciclo de amizade e reverência. Do exílio à redescoberta do Brasil, da militância à poesia, essas figuras nos mostram que a história não é feita apenas de grandes eventos, mas também de pequenos gestos — como guardar poemas soltos em uma gaveta ou apresentar uma cidade a um velho amigo..” |
Carlos Franco nasceu em Uberlândia e se formou em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1983, passando a atuar no Jornal do Brasil, Última Hora e nas sucursais da Folha de S. Paulo e de O Estado de S. Paulo. De 1994 a 1995 trabalhou em Brasília pelo O Estado de S. Paulo e Agência Estado, regressando ao Rio de Janeiro, no final de 1995, ao Jornal do Brasil de onde saiu em 1998 para assumir em São Paulo o posto de editor-executivo na Gazeta Mercantil, retornando depois ao jornal O Estado de S. Paulo, de onde saiu em 2006 para atuar no mercado publicitário nas agências MPM, DPZ e Ogilvy Diferencial. Hoje, de volta à Uberlândia, está à frente da Editora Olympia. - (Na fotografia Carlos Franco e Luiz Carlos Prestes Filho)